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Carta do Gestor - Janeiro de 2016

Prezado investidor,


Como era de se esperar, em virtude do recesso parlamentar, o mês de janeiro contribuiu para esfriar ainda mais o processo de impeachment. Os principais líderes da oposição mantiveram uma distância segura de Brasília e a presidente Dilma pode aproveitar esse vácuo para tentar mostrar que seu governo teria superado a crise política. Mas a inabilidade da nossa presidente é tamanha, que mesmo sem a oposição em seu encalço, ela conseguiu criar atritos com o Ministro da Saúde, apadrinhado pela ala do PMDB que defende sua permanência no governo. Tudo indica também que o novo líder do PMDB deve ser do grupo favorável ao impeachment, substituindo o atual líder, Leonardo Picciani, contrário ao impeachment.


Mas se houve alguma tranquilidade para a presidente no campo político, o mesmo não pode ser dito em relação ao desempenho da economia. Os indicadores divulgados ao longo do mês de janeiro foram bastante negativos, exceto pelas contas externas. A inflação de 2015 superou o limite superior de 6,5% e fechou em 10,67%.


Ao longo do mês, entretanto, o presidente do BC deu sinais de que a instituição não seria leniente com a inflação de forma que o mercado acreditou em novo ciclo de aperto monetário, entre 25 e 50 pontos por reunião. Após uma reunião de véspera entre Alexandre Tombini e Dilma, para a surpresa do mercado, o COPOM decidiu pela manutenção da taxa SELIC em 14,25%, deixando claro para todos que a política monetária será ditada pelo Planalto. A manutenção dos juros, em si, poderia até ter sido considerada prudente, não fosse a mensagem clara desta ingerência na atuação do BC. A economia trabalha com 77% de uso de capacidade e o desemprego atingiu 9%. O PIB industrial de novembro foi 12,4% menor que o do ano anterior enquanto o PIB (IBC-BR) foi 6,14% inferior.


Num momento onde a relação entre a dívida e o produto também subiu (para 36%), elevações nos juros sem um convincente ajuste fiscal, não apenas seriam pouco eficientes na contenção das expectativas de inflação, como contribuiriam para aprofundar a recessão, diminuindo ainda mais a arrecadação, de forma que a razão divida sobre o PIB entraria numa trajetória de crescimento que poderia se tornar exponencial.


A economia internacional também não contribuiu para o cenário doméstico. O petróleo atingiu US$ 28/ barril e a maioria das commodities tiveram novamente quedas expressivas, começando a gerar temor quanto a um risco de crédito nas economias emergentes, liderados pelo Brasil e a empresa mais endividada do planeta, a Petrobras, cujo valor de mercado se aproximou de US$ 15 bilhões ou menos de um sexto de sua dívida líquida. O crescimento chinês em 2015 foi inferior a 7% e também houve desconfiança quanto a robustez dos números divulgados.


E neste ambiente que combina inflação elevada com forte recessão, isso em meio a uma grave crise politica e ambiente externo complicado, o IBOVESPA iniciou 2016 com queda de 6,8%. Nosso fundo, entretanto, teve seu segundo pior desempenho em 13 anos de história, com queda de 19,8%, pior que setembro de 2008 e melhor apenas que outubro de 2008 que foi o auge da maior crise do capitalismo moderno. Ainda assim, a magnitude desta queda parece estar dissociada tanto dos frágeis fundamentos quanto das novas informações acumuladas ao longo de janeiro.


Apenas para ilustrar o que estamos falando, o índice IBOVESPA quando medido em dólares, atingiu 9.000 pontos em janeiro deste ano, 29% inferior ao menor nível atingido durante a crise de 2008 e nível atingido há quase 20 anos, em março de 1997. Pior ainda, o IBOVESPA atual não reflete exatamente o que se passa com grande parte das empresas listadas na Bovespa, a maioria das quais pertencentes ao núcleo do nosso universo de investimentos.


O índice hoje é composto por empresas de qualidade mais elevada e de menor volatilidade de resultados como os bancos Itaú e Bradesco, a fabricante de bebidas Ambev e outras empresas como Cielo, Cetip, BVMF, BB Seguridade, Raia Drogasil e Ultrapar. Algumas dessas empresas negociam em múltiplos bastante elevados ou de normalidade e que, conjuntamente, correspondem a 47% do índice, muito diferente da composição de 2008 quando Petrobras, Vale e as três principais siderúrgicas correspondiam a 45% do índice, enquanto os ativos de menor volatilidade como os que descrevi acima correspondiam a apenas 12,5% do índice.


Faço esse breve parêntesis para comentar que fora do índice IBOVESPA, que contempla as ações de maior liquidez, o estrago causado pelo aumento da aversão ao risco e saída de recursos de investidores diversos foi ainda mais agudo que o causando em empresas que compõem o índice. Dezenas de empresas estão sendo negociadas, literalmente, a preços de banana, a fração de seu patrimônio líquido e ao seu preço de reposição. A maioria deste universo teve queda de preços nos últimos doze meses superior a 60% e desde as eleições quedas superiores a 75%.


Apenas neste mês de janeiro, alguns ativos de nosso portfólio, mesmo que em posições pequenas, tiveram quedas expressivas, o que levou a este resultado tão negativo.


Por exemplo, no setor de óleo e gás, a Queiroz e Galvão (QGEP3) teve queda de 28,5% e passou a ser negociada em bolsa por R$ 1,1 bi, valor 10% inferior ao seu caixa, caixa este que rende em torno de R$ 160 milhões por ano. A empresa possui o maior campo de gás do país, em Manati, cuja geração de caixa é de cerca de R$ 250 milhões por ano, pelos próximos anos. Fora isso ela possui participações em alguns blocos de petróleo, entre os quais o de Carcará, um dos principais do país. Claro que nos atuais preços, a atividade de exploração de petróleo destruiria valor, mas acreditamos que ao longo do tempo, o patamar de equilíbrio será superior ao atual. Caso contrário, não acreditamos que a empresa manterá seu plano de investimentos.


Outro caso que chama bastante atenção é a da empresa de logística Rumo (RUMO3), cujas ações caíram 70% neste mês, apesar das informações de que operacionalmente a empresa segue, tranquilamente, sua lenta trajetória de crescimento. O problema aqui foi o anúncio de um aumento de capital, em torno de R$ 700 milhões, supostamente em torno de R$ 6 por ação, mas que pela queda de preços neste mês, não se efetivou. A empresa possui um endividamento caro e elevado, de forma que há forte especulação quanto a um novo aumento de capital, sabe-se lá a qual preço, mas respeitando-se a preferência aos atuais acionistas.


Quando a empresa se comunica mal com o mercado, ela abre possibilidades para que a especulação predatória ocorra de forma generalizada. Alguns investidores vendem a ação a descoberto, pois têm a segurança de que poderão recomprar as ações em preços bem abaixo, assim como alguns acionistas, acreditando que terão que aportar mais fundos à empresa, reduziram suas posições atuais. Nada de novo aqui, exceto que a quantidade de ações vendidas, num intervalo de tempo tão curto, e quando o apetite de novos investidores é muito baixo. Porta estreita e a manada toda querendo sair ao mesmo tempo.


O estrago é mais do que proporcional à incompetência da empresa em sinalizar corretamente ao mercado as suas reais condições. Uma empresa que deve gerar pouco mais de R$ 2 bilhões de caixa operacional em 2016, terminou o mês de janeiro valendo a bagatela de US$ 190 milhões, ou menos de 10% de seu valor de um ano atrás.


Outra posição que sofreu bastante em janeiro, perdendo um quinto de seu valor foi a São Carlos (SCAR3), detentora de mais de 400 mil m2 de área locável, distribuídos em mais de 50 empreendimentos, majoritariamente escritórios de médio e alto padrão, concentrados nos municípios de São Paulo e do Rio de Janeiro. A empresa possui uma dívida com prazo médio de mais de 10 anos, quase toda pré-fixada, de R$ 1,4 bilhão. Hoje as ações da empresa encontram-se negociadas a pouco mais de um terço de seu valor líquido por ativos, desconto que nos parece bastante exagerado, levando-se em conta que a empresa vem tendo sucesso em alugar seu mais novo e maior empreendimento: o EZ Tower (que se encontra com 15% de vacância financeira).


Por fim, dentre as empresas de commodities, as posições que temos vendidas em celulose tiveram uma importante correção de 15%, porém, muito inferior à correção nas ações de siderurgia Gerdau (GGBR3) de 25,3%, Metalúrgica Gerdau (GOAU4), de 38%, além da Usiminas (USIM5), que perdeu em janeiro 45% de seu valor. A Usiminas passou a valer por essa classe de ações cerca de R$ 850 milhões, sendo precificada de fato como uma empresa à beira de entrar em recuperação judicial ou, tal como a Rumo, de precisar de um aumento de capital. Acho que os exemplos acima ilustram bem o que foi este mês e o tipo de oportunidade que está surgindo para aqueles investidores que acreditam que em alguns trimestres a economia poderá voltar para a normalidade, sob nova gestão.


Aguardemos a volta ao trabalho de nossos congressistas, pois a partir daí é que entenderemos que tipo de dinâmica se desenhará para este primeiro semestre de 2016.


Tantas foram as vezes que utilizamos os exemplos da Argentina e da Venezuela para ilustrar o que seria o resultado de anos de má gestão das contas públicas, no caso brasileiro agravada por uma corrupção constrangedora até para criminosos profissionais. Desta vez, após a eleição do presidente Macri, utilizaremos a Argentina como exemplo de quão rápida pode ser a recuperação da credibilidade de um país, quando um governo é sério e corajoso para adotar aquelas políticas que devem ser adotadas, ainda que nem sempre populares.


Atenciosamente,

André Gordon

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